terça-feira, 28 de janeiro de 2014

Por Valda Neves

Lastimo quem reduz a prostituição como um "trabalho qualquer" e utiliza-se do argumento de que é a profissão mais antiga, tentativa de naturalizar a opressão e de ignorar um mundo sem a prostituição. A lógica patriarcal, que se retroalimenta do capitalismo, consiste na relação de imposição de poder e no controle dos homens sobre o trabalho, o corpo e a sexualidade das mulheres. Exemplo disto é, respectivamente, a divisão sexual do trabalho colocando os homens nos espaços públicos de produção e as mulheres nos espaços privados de reprodução; a garantia de regulamentação ao acesso do corpo das mulheres e sua exploração; a imposição heteronormativa ao dizer como exercer nossa sexualidade, a constante caça aos diversos modelos de família e o formato de relacionar-se (monogâmico).

O sexo está ligado ao prazer entre xs envolvidxs, nunca à humilhação e subordinação. Afirmo a necessidade do posicionamento contrário a essa violência e a mercantilização dos nossos corpos. E independente da minha opinião, não dá pra fugir de um problema que é real, que mata e está historicamente sendo denunciado pelo movimento feminista.

A prostituição não deve ser "resolvida" com apenas uma sacada, muito menos não será um projeto de lei, como o proposto pelo Dep. Jean Wyllys, frívolo, com meia dúzia de artigos, que regulamenta o mercado, xs empresárixs e despenaliza os cafetões. Projeto este que não transforma a vida dessas mulheres, não lhe dá autonomia e dignidade; ignora a questão de classe e a desigualdade racial. Tampouco será este que irá travar discussões de outro modelo de economia, de trabalho e renda para essas mulheres.

Entendo que a urgência bate na porta, pois enquanto estamos debatendo e descontruíndo idéias, são as mulheres em situações vulneráveis que anseiam por amparo. Através desse projeto percebem a sensação de visibilidade, visto que nos espaços de poder e de proposições de políticas públicas elas não são representadas.
Para as mulheres negras carregadas no contexto histórico da escravidão, que tornou comum o estupro dos senhores e a prostituição da escrava para o lucro de seu “proprietário”, resta até os dias de hoje a sexualização, coisificação sobre seu corpo, o lugar às margens da sociedade e por consequência as mais vulneráveis e passíveis à prostituição, violência e tráfico sexual. Não se iludam, não são elas as “putas de luxo”.

Enfim, renego a mendicância do efeito dessas ações, incluindo-me como parte dessa luta, porque o feminismo é por todas as mulheres. Não existem ilhas de liberdade, não há liberdade sexual quando nossas escolhas são condicionadas pela norma masculina. Ser livre do machismo e do patriarcado só será possível com a ruptura da opressão sobre qualquer uma de nós mulheres em conjunto com a superação do capitalismo.

Para além dos ecos que se posicionam a favor ou contra a regulamentação, pois vejo aí uma falta de um exercício dialético, há de se radicalizar enquanto movimento feminista de compreender as correlações e estruturantes em que esse debate está inserido. Contudo, temos o papel de provocar o Estado, que sabemos que é engessado e burguês. Pensar em políticas de inclusão das mulheres inseridas na lógica da prostituição, como também medidas de prevenção. Mudar a vidas das mulheres passa pela ruptura sim, mas aí sem negar o processo de revolução permanente, no qual medidas emancipatórias, afirmativas e de transição são essenciais. Pra isso, as prostitutas devem estar nessa construção, visto que são elas que vivem diariamente tal violência.


Viver sem violência é um direito de TODAS as mulheres.

eu que não amo você.

Ai, essas pessoas que se vitimizam. Sabem que todo o acúmulo foi de uma construção à duas, mas pra sair por cima da carne seca inventa um monstro e incube o estopim a quem tem meaculpa. Esse papo de culpa não agrega nada, principalmente com quem não tem capacidade de diálogo pra rever, destruir, superar e avançar, mesmo que rumos diferentes. 

Muito egoísmo pra pouca sensibilidade.

Este assunto e sentimento já se esgotou faz tempo, mas faço o uso da indireta nas redes para que me poupem. Não me digam. Não me importo. E que se foda [foda tb pode ser bom]!


"Morreu o nosso amor, morreu.
Mas cá pra nós
antes ele do que eu."

domingo, 12 de janeiro de 2014

**Extraído do livro Morangos Mofados, do Caio Fernando de Abreu**

OS SOBREVIVENTES (Para ler ao som de Ângela Ro-Ro)

Para Jane Araújo, a Magra


Sri Lanka, quem sabe? ela me pergunta, morena e ferina, e eu respondo
por que não? mas inabalável ela continua: você pode pelo menos mandar
cartões-postais de lá, para que as pessoas pensem nossa, como é que ele foi
parar em Sri Lanka, que cara louco esse, hein, e morram de saudade, não é
isso que te importa? Uma certa saudade, e você em Sri Lanka, bancando o
Rimbaud, que nem foi tão longe, para que todos lamentem ai como ele era
bonzinho e nós não lhe demos a dose suficiente de atenção para que ficasse
aqui entre nós, palmeiras & abacaxis. Sem parar, abana-se com a capa do
disco de Ângela enquanto fuma sem parar e bebe sem parar sua vodca
nacional sem gelo nem limão. Quanto a mim, a voz tão rouca, fico por aqui
mesmo comparecendo a atos públicos, pichando muros contra usinas
nucleares, em plena ressaca, um dia de monja, um dia de puta, um dia de
Joplin, um dia de Teresa de Calcutá, um dia de merda enquanto seguro aquele
maldito emprego de oito horas diárias para poder pagar essa poltrona de couro
autêntico onde neste exato momento vossa reverendíssima assenta sua
preciosa bunda e essa exótica mesinha-de-centro em junco indiano que apóia
nossos fatigados pés descalços ao fim de mais outra semana de batalhas
inúteis, fantasias escapistas, maus orgasmos e crediários atrasados. Mas
tentamos tudo, eu digo, e ela diz que sim, claaaaaaaro, tentamos tudo,
inclusive trept, porque tantos livros emprestados, tantos filmes vistos juntos,
tantos pontos de vista sociopolíticos existenciais e bababá em comum só
podiam era dar mesmo nisso: cama. Realmente tentamos, mas foi uma bosta
Que foi que aconteceu, que foi meu deus que aconteceu, eu pensava depois
acendendo um cigarro no outro e não queria lembrar, mas não me saía da
cabeça o teu pau murcho e os bicos dos meus seios que nem sequer ficaram
duros, pela primeira vez na vida, você disse, e eu acreditei, pela primeira vez
na vida, eu disse, e não sei se você acreditou. Eu quero dizer que sim, que
acreditei, mas ela não pára, tanto tesão mental espiritual moral existencial e
nenhum físico, eu não queria aceitar que fosse isso: éramos diferentes, éramos
melhores, éramos superiores, éramos escolhidos, éramos mais, éramos
vagamente sagrados, mas no final das contas os bicos dos meus peitos não
endureceram e o teu pau não levantou. Cultura demais mata o corpo da gente,
cara, filmes demais, livros demais, palavras demais, só consegui te possuir me
masturbando, tinha biblioteca de Alexandria separando nossos corpos, eu
enfiava fundo o dedo na boceta noite após noite e pedia mete fundo, coração,
explode junto comigo, me fode, depois virava de bruços e chorava no
travesseiro, naquele tempo ainda tinha culpa nojo vergonha, mas agora tudo
bem, o Relatório Hite liberou a punheta. Não que fosse amor de menos, você
dizia depois, ao contrário, era amor demais, você acreditava mesmo nisso?
naquele bar infecto onde costumávamos afogar nossas impotências em baldes
de lirismo juvenil, imbecil, e eu disse não, meu bem, o que acontece é que
como bons-intelectuais-pequeno-burgueses o teu negócio é homem e o meu é
mulher, podíamos até formar um casal incrível, tipo aquela amante de Virginia
Woolf, como era mesmo o nome da fanchona? Vita, isso, Vita Sackville-West e
o veado do marido dela, ra não se erice, queridinho, não tenho nada contra
veados não, me passa a vodca, o quê? e eu lá tenho grana para comprar
wyborowas? não, não tenho nada contra lésbicas, não tenho nada contra
decadentes em geral não tenho nada contra qualquer coisa que soe a uma
tentativa. Eu peço um cigarro e ela me atira o maço na cara como quem joga
um tijolo, ando angustiada demais, meu amigo, palavrinha antiga essa, a velha
angst, saco, mas ando, ando, mais de duas décadas de convívio cotidiano,
tenho uma coisa apertada aqui no meu peito, um sufoco, uma sede, um peso,
ah não me venha com essas histórias de atraiçoamos-todos-os-nossos-ideais,
eu nunca tive porra de ideal nenhum, eu só queria era salvar a minha, veja só
que coisa mais individualista elitista capitalista, eu só queria era ser feliz, cara,
gorda, burra, alienada e completamente feliz. Podia ter dado certo entre a
gente, ou não, eu nem sei o que é dar certo, mas naquele tempo você ainda
não tinha se decidido a dar o rabo nem eu a lamber boceta, ai que gracinha
nossos livrinhos de Marx, depois Marcuse, depois Reich, depois Castafieda,
depois Laing embaixo do braço, aqueles sonhos tolos colonizados nas
cabecinhas idiotas, bolsas na Sorbonne, chás com Simone e Jean-Paul nos 50
em Paris, 60 em Londres ouvindo here comes the sun here comes the sun little
darling, 70 em Nova York dançando disco-music no Studio 54,80 a gente aqui
mastigando esta coisa porca sem conseguir engolir nem cuspir fora nem
esquecer esse azedo na boca. Já li tudo, cara, já tentei macrobiótica
psicanálise drogas acupuntura suicídio ioga dança natação cooper astrologia
patins marxismo candomblé boate gay ecologia, sobrou só esse nó no peito,
agora faço o quê? não é plágio do Pessoa não, mas em cada canto do meu
quarto tenho uma imagem de Buda, uma de mãe Oxum, outra de Jesusinho,
um pôster de Freud, às vezes acendo vela, faço reza, queimo incenso, tomo
banho de arruda, jogo sal grosso nos cantos, não te peço solução nenhuma,
você vai curtir os seus nativos em Sri Lanka depois me manda um cartãopostal
contando qualquer coisa como ontem à noite, na beira do rio, deve haver
uma porra de rio por lá, um rio lodoso, cheio de juncos sombrios, mas ontem na
beira do rio, sem planejar nada, de repente, sabe, por acaso, encontrei um
rapaz de tez azeitonada e olhos oblíquos que. Hein? claro que deve haver
alguma espécie de dignidade nisso tudo, a questão é onde, não nesta cidade
escura, não neste planeta podre e pobre, dentro de mim? ora não me venhas
com autoconhecimentos-redentores, já sei tudo de mim, tomei mais de
cinqüenta ácidos, fiz seis anos de análise, já pirei de cl ín k., lembra? você me
levava maçãs argentinas e fotonovelas italianas, Rossana Galli, Franco Andrei,
Michela Roc, Sandro Moretti, eu te olhava entupida de mandrix e babava
soluçando perdi minha alegria, anoiteci, roubaram minha esperança, enquanto
você, solidário & positivo, apertava meu ombro com sua mão apesar de tudo
viril repetindo reage, companheira, reage, a causa precisa dessa tua cabecinha
privilegiada, teu potencial criativo, tua lucidez libertária e bababá bababá. As
pessoas se transformavam em cadáveres decompostos à minha frente, minha
pele era triste e suja, as noites não terminavam nunca, ninguém me tocava,
mas eu reagi, despirei, voltei a isso que dizem que é o normal, e cadê a causa,
meu, cadê a luta, cadê o po-ten-ci-al criativo? Mato, não mato, atordôo minha
sede com sapatinhas do Ferro’s Bar ou encho a cara sozinha aos sábados
esperando o telefone tocar, e nunca toca, neste apartamento que pago com o
suor do po-ten-ci-al criativo da bunda que dou oito horas diárias para aquela
multinacional fodida. Mas, eu quero dizer, e ela me corta mansa, claro que
você não tem culpa, coração, caímos exatamente na mesma ratoeira, a única
diferença é que você pensa que pode escapar, e eu quero chafurdar na dor
deste ferro enfiado fundo na minha garganta seca que só umedece com vodca,
me passa o cigarro, não, não estou desesperada, não mais do que sempre
estive, nothing special, baby, não estou louca nem bêbada, estou é lúcida pra
caralho e sei claramente que não tenho nenhuma saída, ah não se preocupe,
meu bem, depois que você sair tomo banho frio, leite quente com mel de
eucalipto, gin-seng e lexotan, depois deito, depois durmo, depois acordo e
passo uma semana a banchá e arroz integral, absolutamente santa,
absolutamente pura, absolutamente limpa, depois tomo outro porre, cheiro
cinco gramas, bato o carro numa esquina ou ligo para o cvv às quatro da
madrugada e alugo a cabeça dum panaca qualquer choramingando coisas tipo
preciso-tanto-uma-razão-para-viver-e-sei-que-essa-razão-só-está-dentro-demim-
bababá-bababá e me lamurio até o sol pintar atrás daqueles edifícios
sinistros, mas não se preocupe, não vou tomar nenhuma medida drástica, a
não ser continuar, tem coisa mais autodestrutiva do que insistir sem fé
nenhuma? Ah, passa devagar a tua mão na minha cabeça, toca meu coração
com teus dedos frios, eu tive tanto amor um dia, ela pára e pede, preciso tanto
tanto tanto, cara, eles não me permitiram ser a coisa boa que eu era, eu então
estendo o braço e ela fica subitamente pequenina apertada contra meu peito,
perguntando se está mesmo muito feia e meio puta e velha demais e
completamente bêbada, eu não tinha estas marcas em volta dos olhos, eu não
tinha estes vincos em torno da boca, eu não tinha este jeito de sapatão
cansado, e eu repito que não, que nada, que ela está linda assim, desgrenhada
e viva, ela pede que eu coloque uma música e escolho ao acaso o Noturno
número dois em mi bemol de Chopin, eu quero deixá-la assim, dormindo no
escuro sobre este sofá amarelo, ao lado das papoulas quase murchas,
embalada pelo piano remoto como uma canção de ninar, mas ela se contrai
violenta e pede que eu ponha Ângela outra vez, e eu viro o disco, amor meu
grande amor, caminhamos tontos até o banheiro onde sustento sua cabeça
para que vomite, e sem querer vomito junto, ao mesmo tempo, os dois
abraçados, fragmentos azedos sobre as línguas misturadas, mas ela puxa a
descarga e vai me empurrando para a sala, para a porta, pedindo que me vá, e
me expulsa para o corredor repetindo não se esqueça então de me mandar
aquele cartão de Sri Lanka, aquele rio lodoso, aquela tez azeitonada, que
aconteça alguma coisa bem bonita com você, ela diz, te desejo uma fé enorme,
em qualquer coisa, não importa o quê, como aquela fé que a gente teve um
dia, me deseja também uma coisa bem bonita, uma coisa qualquer
maravilhosa, que me faça acreditar em tudo de novo, que nos faça acreditar
em tudo outra vez, que leve para longe da minha boca este gosto podre de
fracasso, este travo de derrota sem nobreza, não tem jeito, companheiro, nos
perdemos no meio da estrada e nunca tivemos mapa algum, ninguém dá mais
carona e a noite já vem chegando. A chave gira na porta. Preciso me apoiar
contra a parede para não cair. Por trás da madeira, misturada ao piano e à voz
rouca de Ângela, nem que eu rastejasse até o Leblon, consigo ouvi-la repetindo
e repetindo que tudo vai bem, tudo continua bem, tudo muito bem, tudo bem.
Axé, axé, axé! eu digo e insisto até que o elevador chegue axé, axé, axé,
odara!

domingo, 23 de setembro de 2012

Carta rascunho

Carta rascunho.


Tudo isso tem me deixado inquieta nos últimos dias,
Algum tipo de desespero, não aquele tortuoso, mas aquela sensação
Que já está caindo a ficha de que você se foi, como bem sinalizava o caminho q a gente construiu.
Sem ânimo em reiventar e reencarar as nossas escolhas

Eu sou do tipo que não se centraliza, sem fazer uso do foco e da razão pra superar.
Estou pra mais como quem se harmoniza, de quem logo se adapta a dor ao ponto dela não incomodar mais.
E o final até já sei e ele é duro, duro como um coração de pedra,
Indiferente e insensível

Enquanto o vento torto passa por aqui,
Vou tentando recolher os pedaçoes
Que o teu descuido fez esquecer, deixar trás.

“E no final assim calado eu sei que vou ser coroado rei de mim” (Los Hermanos)

Vou voltar aparecer por aqui, pode-se falar em desespero por apenas querer fazer durar alguns sentimentos ao transcrevê-lo.
Da minha maneira simples e despretendida pretendo me conhecer um pouco mais, exercer a introspecção.
Em si, para si.

Alguns psicanalistas se referem à linguagem como nossa morada, acrescento a sensibilidade trazida pelo lado de fora da nossa casa.

No S03E10 do Breaking Bad, Walt me rouba as palavras dizendo:
“ Não importa o quanto eu explique.
Sinceramente acredito que exista alguma combinação de palavras.
Devem existir certas palavras.
Em uma certa ordem específica,
Que explicaria tudo isso,
Mas com ela eu apenas..
Simplesmente não consigo encontrá-las."


quinta-feira, 17 de setembro de 2009

O mestre

"Se eu tivesse AUTONOMIA
Se eu pudesse GRITARIA...
É necessário a nova ABOLIÇÃO"
(Cartola)